Quais fatores influenciam o temperamento de um gato?

Descubra como a personalidade felina é formada e como podemos moldá-la apesar das características originais do pet

Foto: Silvia Pratta
Gato: Ayvar/Gatil: Galantis

Por mais que os gatos tenham características em comum, temos muitas histórias para contar sobre como suas personalidades são únicas. Isso não é exagero de gateiro apaixonado. De fato, cada animal possui uma somatória de fatores que vai construir o seu comportamento. “Existem fatores genéticos que influenciam diretamente este perfil comportamental e tem fatores ambientais que também vão ser definidores. É uma junção”, explica a veterinária Debora Paulino, membro da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos (ABFEL).

GENÉTICA COMO FATOR INICIAL
A genética do animal, claro, é o primeiro fator de influência. Existe, a princípio, uma genética ancestral que traz características para a espécie felina doméstica. O bichano que hoje nos faz companhia em casa é um descendente do gato selvagem africano, cuja expressão gênica foi passada pouco a pouco para as novas gerações. “Alguns comportamentos são inerentes à espécie. Por exemplo, o comportamento de caça, que está ali na fita de DNA dele. Ele nasceu preparado para fazer isso”, aponta Debora. Gatos podem ter medo de elementos e situações que nem conheciam antes, graças ao instinto de sobrevivência. Por exemplo, chuva ou barulhos diversos.
A especialista estende o assunto neste quesito: o comportamento de caça e a curiosidade estão ligados à cognição do felino, ou seja, à inteligência. “O gatinho que transforma tudo em brincadeira usa as suas habilidades para tentar fazer o que deseja. Ele vê uma oportunidade em toda cena para brincar, explorar. Já outro gatinho pode viver no mesmo ambiente, tendo os mesmos estímulos e não se interessar ou se interessar muito pouco pela brincadeira. É aquele pet que faz o mínimo necessário”, brinca Debora. As características genéticas dos pais vão ser definidoras para a prole. Portanto, quando há um conhecimento de quem são os ancestrais próximos, é possível estimar alguns dos atributos dos filhotes, físicos e comportamentais também. Mesmo as situações que a mãe passou enquanto estava gestante devem ser, de alguma maneira, transmitidas para os filhotes. “Se a mãe passa por algum estresse, como restrição alimentar, especialmente no terço final da gestação, isso interfere no comportamento do filhote. Ele pode nascer mais medroso, agressivo, com dificuldades de aprendizagem”, acrescenta Isabela Zitti, médica-veterinária especializada em comportamento felino.

INFLUÊNCIA DA RAÇA
Com a escolha de cruzar determinados indivíduos da espécie, criadores de gatos de raça buscam não só características físicas, mas também de temperamento. Portanto, adquirir gatos de raça também é uma maneira de selecionar atributos desejáveis em relação à sua personalidade. Porém, é preciso alinhar expectativas. Nem todo gato vai ter exatamente o mesmo comportamento esperado, ainda que seja de raça. “É uma vida que vai depender de nós por toda a sua existência. Acredito que tanto aquele tutor que compra um gato quanto aquele que adota precisa ser orientado por veterinários. Inclusive para encontrar locais éticos”, reforça Debora. Ela continua: “as características genéticas podem ser potencializadas ou minimizadas, estimuladas ou desestimuladas. Dois gatinhos irmãozinhos que vieram da mesma família, que tiveram os mesmos cuidados e são destinados para lares distintos vão ter comportamentos diferentes.”

Foto: Arquivo Pessoal/Pretinha de Edilza Silva Maran

PERÍODO DE SOCIALIZAÇÃO
Depois de nascer, tendo a genética definida, o comportamento do bichano começa a ser influenciado pelo ambiente. Existe uma janela temporal importante nesse início, chamada de período de socialização, entre a segunda e a sétima semana de vida. O que ele vivenciar neste intervalo vai deixar uma marca considerável no gato, seja positivo ou negativo. “Gatis éticos não entregam os filhotes para a casa definitiva antes dos quatro meses”, aponta Debora. Gatinhos que passaram por situações mais desafiadoras nesta fase inicial de vida, às vezes crescem mais inseguros, assustados. O desenvolvimento ideal é aquele no qual o pet – em contato com a mãe, os irmãos e outros animais ou com alguma outra fonte de estímulo – vai ter uma série de incentivos e aprendizados, que vão torná-lo um animal seguro. Essa característica pode ser observada naqueles que não são facilmente assustados, que têm comportamentos de caça, que apresentam limites sociais (que não mordem na brincadeira, por exemplo), que são brincalhões, que têm uma certa independência dentro do seu espaço onde vivem. O gato independente não é antissocial, mas é aquele que gosta de interações dentro de limites confortáveis para ele.

AMBIENTE ESTIMULANTE
O ambiente onde o gato nasce, cresce e se desenvolve é tão importante quanto a genética. “Esse ambiente tem fartura ou escassez de recursos alimentares? Ali ele se sente seguro ou fica encurralado? Tudo isso vai influenciar no comportamento dele”, pondera Isabela Zitti, que ainda conta que a grande maioria dos gatos medrosos ou agressivos partem destes contextos negativos.
Mas não é só o início da vida que vai definir o comportamento do felino. O dia a dia do gato com seus tutores durante a vida adulta também molda as suas atitudes. Alguns gateiros, como forma de demonstrar afeto, deixam que o pet faça tudo o que quiser, mas isso também não é saudável. Nestes casos, o animal fica muito pouco tolerante à frustração, levando-o a ter problemas futuros, até mesmo de agressividade. “A maneira como o tutor educa o gato está diretamente relacionada ao comportamento. A educação precisa levar em consideração que ele é um animal. ”Isabela explica o ponto que pode causar polêmica entre os gateiros: não humanizar o gatinho não significa deixar de tratá-lo com amor e carinho. Mas é importante entender que, como um animal, ele tem necessidades específicas da espécie que vão trazer qualidade de vida para ele. Não adianta, por exemplo, brigar com o bichinho por ele subir nas mesas ou derrubar objetos se não disponibilizarmos locais adequados (como nichos, prateleiras ou arranhadores) para que ele dê vazão a estes comportamentos naturais. “Ele não é mal-educado! Só está fazendo o que precisa fazer, naturalmente”, completa ela.
A brincadeira diária, que nada mais é que o estímulo à caça, também é fundamental para a manutenção de um estilo de vida e de comportamento saudáveis. “O propósito de todo gato é caçar, e ele precisa exercer esse comportamento. Muitas vezes as pessoas têm a impressão de que o gato é independente, mas, quando ele vive dentro de casa, precisa de nós para brincar. Isso é uma responsabilidade dos tutores, precisamos enriquecer esse tempo dele”, reforça Isabela. Quando não há esse estímulo no ambiente para brincadeiras, os problemas de comportamento surgem. Algumas das situações mais comuns são: agressividade, até mesmo com outros animais da casa; urina e fezes fora da caixa de areia, ganho de peso e até doenças ocasionadas por estresse podem aparecer.

MUDANDO O COMPORTAMENTO
É possível modificar comportamentos que não são esperados para que ele tenha qualidade de vida e para que exista um bom convívio do pet dentro do ambiente doméstico com os tutores. O ideal é que um especialista comportamentalista seja acionado quando há problemas, pois o profissional vai ter uma visão mais abrangente sobre o que está causando as atitudes desviantes do que é adequado. Os tutores costumam ter um olhar focado no resultado, no fator que provoca as queixas, mas geralmente não conseguem visualizar o panorama mais amplo para entender o que o está causando.
Mudança no manejo e até uso de medicação, sempre receitada por um veterinário, podem ser possíveis soluções para resolver ou amenizar problemas. E não há somente uma idade para aprender, pois a aprendizagem acontece durante toda a vida dele. Um gato idoso também pode ser ensinado e ter mudanças de atitudes, ainda que em uma velocidade mais lenta. As duas profissionais entrevistadas, no entanto, alertam: um gato (e qualquer animal) não deve se moldar às expectativas do ser humano. Primeiramente, nem todas as questões comportamentais são reversíveis. Depois, nem todo comportamento que o tutor não deseja é algo ruim para o gato.
“Nós também precisamos fazer um esforço para aceitá-los como eles são. Temos que entender que estamos abrindo nosso lar e nossa vida para conviver com um ser de uma outra espécie, e isso vai levar a desafios e a concessões. É preciso que o lar e o convívio sejam agradáveis, adequados e satisfatórios para todas as espécies envolvidas nesse relacionamento”, finaliza Debora.

Agradecimentos:
Isabela Zitti, Médica-veterinária especializada em comportamento felino. Pós-graduada em Clínica Médica de Felinos pela Equalis, certificada pelo Fear Free Certified Professional. Possui certificação internacional em “Advanced Feline Behaviour for Veterinary Professionals”, pela ISFM (International Society of Feline Medicine). Professora do INSPA (Instituto de Psicologia Animal).
Debora Paulino, Médica-veterinária pós-graduada em Medicina Felina pela Equalis, membro da ABFEL (Academia Brasileira de Clínicos de Felinos) e da ISFM (International Society of Feline Medicine). Certificada pelo Fear Free Shelter e pela AAFP (American Association of Feline Practitioners) como Cat Friendly Veterinarian. Mentora e professora Gefel Anclivepa. Fundadora da Mais Gato.


Por Aline Guevara


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