Quem manda em quem?

Se o seu gato é o rei da casa e apronta quando e onde quiser, saiba que com pequenas mudanças na rotina o felino pode ficar mais educado.

Foto divulgação Pixabay

Gatos são livres, independentes, e nós os amamos assim, desse jeitinho, com sua natureza única e irreverente. Entretanto existem situações que exigem posicionamento dos tutores para que a convivência com o felino não se torne um pesadelo. O conceito de adestramento ou treino em gatos tem crescido entre os estudiosos no assunto. O objetivo dos métodos utilizados é melhorar, cada vez mais, a relação entre gatos e donos. Mas se você acha que iremos ensinar comandos como “senta”, “deita” e “rola” nesta reportagem, se enganou! Nosso intuito aqui é ajudar a entender um pouco mais sobre como é possível corrigir comportamentos que, apesar de fazerem parte da natureza felina, são grandes problemas para você.
Gwen Bohnenkamp, consultora comportamental de felinos desde 1985, idealizadora do primeiro curso voltado para comportamento animal da San Francisco State University, nos Estados Unidos, e autora do livro The Cat’s Point Of View, diz em um de seus artigos publicados que, infelizmente, ainda se sabe pouco dos porquês do comportamento felino. “A mística felina é o que os torna tão divertidos, atraentes e interessantes”, opina. Contudo, diz que entendê-los a ponto de evitar que façam xixi fora da liteira, escalem as cortinas da casa ou arranhem em locais inadequados é possível e importante.

Perspectiva felina

Muitos pensam não ser possível treinar gatos. Entretanto, essa visão, segundo Gwen, deriva de uma perspectiva humana do que é ser treinado. “Não podemos pensar em nossos gatos como seres humanos em miniatura, que sentem as mesmas emoções e necessidades que nós”, destaca. Deste modo, precisamos lembrar que gatos não são gregários como nós e os cães e, portanto, não precisam viver em grupo ou pertencer e ser aceitos em uma sociedade. Pelo mesmo motivo, exemplifica a especialista, que quando trazemos um novo gato para casa e o veterano não o aceita, nós automaticamente pensamos que há algo errado e que ambos estão infelizes. Isso porque estamos impondo o nosso padrão do que é felicidade.

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Se formos mais além, felinos não têm a necessidade, enquanto espécie, de satisfazer os desejos de outrem tendo como fim o bom convívio. “O gato busca agradar apenas a si próprio.” Dessa maneira, cães, por exemplo, podem ser intimidados à obediência com dominância, mesmo que esta não seja a técnica indicada, já os gatos, não. “Ao impor suas vontades a um gato, o que vai conseguir é que ele evite a sua presença.” Nesta altura do texto você deve estar pensando: “Eu tenho vários gatos, eles se dão muito bem e gostam de viver juntos.” Claro que sim, pois gatos podem viver em grupos, se forem socializados para isso. Além do mais, Gwen lembra que o processo de domesticação perpetuou qualidades sociais no felino doméstico, tanto na interação com os humanos como com outros gatos. Mas isso não implica que exista necessidade de satisfazer o dono ou o companheiro felino adotando comportamentos que lhes são impostos.

Como gatos aprendem?

Gwen frisa que é preciso ter em mente que gatos têm uma forma diferente de aprender. “Eles não entendem nossa língua nem leem livros para se informar”, brinca. Grande parte do aprendizado dos felinos se dá por experiências. Se algo foi bom, ele vai repetir. Se não foi, ele tenta evitar que a má experiência se repita no futuro. Na prática, se ele subir no fogão e a boca estiver acesa, ele queimará a pata. Assim, dificilmente repetirá o mesmo ato. Resumindo, Gwen diz que o segredo para a educação felina é associar hábitos desejáveis com carinho, boas experiências e os indesejados com dissabores. O grande problema é que donos, muitas vezes, recompensam hábitos indesejados sem sequer perceberem. “Uma reclamação comum é a de gatos que acordam os donos todos os dias às 5 horas da manhã. Se você se levantar, interagir com ele, der carinho ou comida, ele aprenderá que essa experiência foi positiva e continuará com o comportamento toda noite”, exemplifica. Por outro lado, brigar com o pet, adotar postura agressiva e ameaçadora não resolve o problema. Felinos não gostam de confrontos. Tanto é verdade que preferem brigar para defender o território deles a brigar por dominância sobre outro gato.
Repreender o gato nãoadianta, então o que fazer? “Se você pegar o gato no ato e der uma baita bronca, ele passará a fazer a peraltice quando você não estiver por perto, só. Se você o punir algum tempo depois de ter aprontado, ele não vai associar o ocorrido à punição.” Em ambos os casos, o comportamento indesejado se perpetuará, até porque alguns gatos o mantêm como forma de obter atenção dos donos. Para Gwen a solução está em dar ao gato um novo começo. Como?

Vamos às dicas:

Deixe que ele tenha sucesso Faça com que seu felino tenha experiências positivas em situações que você considera adequadas. Recompensá-lo por bom comportamento funciona, e muito!

Garanta que não encontre sua recompensa no ambiente Pode parecer estranho, mas o gato não pode encontrar experiências positivas em interações indesejadas no ambiente. Por exemplo, se ele gosta de arranhar o sofá e, quando o faz, sente prazer, o sofá está recompensando seu comportamento, portanto precisa deixar de proporcionar bem-estar ao gato. Como? Coloque algo, seja um cheiro ruim, como o cítrico, que não o agrada, ou alguma textura, como a de plásticos, que o felino não aprecia.

Prevenção Se tiver um filhote em casa, o acesso a todos os cômodos deve ser restringido até que ele aprenda o básico, ou seja, a usar a liteira. Erros cometidos repetidas vezes podem se tornar um hábito do felino, muito mais difícil de retirar depois.

E a associação negativa? Existem técnicas de borrifar água no gato quando ele faz algo que você desaprova para desencorajá-lo em certos comportamentos, como o de te acordar durante a noite. Essa técnica de “correção” é do tipo despersonalizada, ou seja, o gato não pode perceber que veio de você. Se seu gato gostar de água, o susto pode ser dado com algo que faça barulho, por exemplo. No entanto, a médica veterinária Luciana Deschamps, da clínica Sr. Gato de São Paulo, alerta que tais repreensões podem agravar o problema, por isso não as recomenda. “Normalmente, o que ocorre é que o gato passa a desenvolver outros comportamentos indesejados, por não aceitar ser repreendido”, explica. Quando o gato faz algo que desagrada o dono, Luciana indica avaliação completa do contexto em que vive o animal feita por especialista em comportamento felino.

Pare com qualquer repreensão Se concentre em deixar o seu relacionamento com o gato divertido, compensador, interessante e animado. Muitas vezes, apenas com essa mudança seus problemas podem ser resolvidos. Gatos são conhecidos por aprontarem e serem destrutivos quando entediados. Sessões diárias de brincadeiras, carinhos e massagens nos gatinhos ajudam a deixá-los relaxados e estreitam sua relação com eles. Gatos que se sentem negligenciados por seus donos podem até parar de usar a caixa sanitária para chamar a atenção.

Reclamações mais comuns:

A seguir, veja dois dos problemas mais comuns e dicas da especialista Gwen Bohnenkamp de como lidar com eles.

Arranhar móveis

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Gatos precisam arranhar. Como um gateiro leitor assíduo da Pulo do Gato, você conhece todos os motivos que levam gatos a arranhar (saiba mais na edição 95) como a demarcação de território e até por prazer. Para direcionar os arranhões ao local correto existem algumas opções. As mais conhecidas são esfregar catnip no arranhador para que este fique mais atraente e posicioná-lo ao lado do local onde o gato gosta de arranhar. Você também pode tentar colocar os brinquedos favoritos do bichano no arranhador e oferecer diferentes tipos para ver qual ele prefere: horizontal, vertical ou aquele que é pendurado na parede. Alguns gatos costumam arranhar depois da soneca, então, quando vir seu bichano “se alongando”, chame a atenção dele para o arranhador.
Nunca o force a arranhar segurando-o no arranhador. Sempre ofereça um petisco ou carinho quando flagrá-lo usando o acessório.
Se o gato aderir ao arranhador mas mesmo assim não abandonar os arranhões em móveis, desencoraje-o utilizando a técnica de associação negativa citada no último item de “Como gatos aprendem?”.

Brincar durante a noite

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Gatos são animais noturnos, por isso ser mais ativo durante a noite e dormir durante o dia é de sua natureza. Mas você não precisa sofrer com noites em branco por amar seu bichano. Tente fazer com que ele gaste mais energia durante o dia, seja de manhã, à tarde ou no final do dia, quando chega em casa. Garanta que ele esteja alimentado antes de dormir, para que ele não tenha motivos para te acordar e não deixe que ele transforme sua cama e quarto em um playground. Visite o pet shop mais próximo e confira as opções de brinquedos interativos que existem para os felinos, pois eles garantirão a diversão do animal enquanto ele estiver sozinho durante o dia, caso você passe o dia fora de casa. Você também pode fazer brinquedos para ele com as dicas da seção Brinquedos e Brincadeiras da Pulo do Gato.
Quando chegar em casa, reserve pelo menos 15 minutos para brincar com ele e quando o vir dormir durante o dia, acorde-o. Gentilmente convide-o para brincadeiras, fazendo com que desperte e gaste energia. Esse treino pode demorar de 10 dias a duas semanas, então tenha paciência.

Nossos agradecimentos:
Comportamentalista Gwen Bohnenkamp www.perfectpaws.com
Revisão técnica: Luciana Deschamps, clínica Sr. Gato, de São Paulo.


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