Animais cheios de personalidade, os felinos certamente falariam muito se pudessem a respeito de carinhos inapropriados e da sua rotina
Se tivessem uma maneira de aprender a língua humana, certamente os gatos teriam muito a nos dizer sobre nosso dia a dia com eles. Para esclarecer algumas dessas possíveis mensagens felinas, a médica-veterinária Debora Paulino, especializada em Comportamento Felino pela International Society of Feline Medicine, e a bióloga Nathalie Fernandes, consultora em Comportamento Felino, desvendam os miados, comportamentos e expressões corporais dos bichanos.
1- Não pegue na minha barriga
Por mais vontade que possamos ter de acariciar a barriga deles, é preciso tomar muito cuidado. “Ao pegarmos na barriga, eles têm uma sensação de grande vulnerabilidade. É uma região do corpo que armazena muitos órgãos importantes que precisam ser protegidos”, explica Debora. De acordo com Nathalie, o ideal é prestar atenção, pois muitos de fato se incomodam com o toque (mesmo quando viram de barriga para cima, não significa que seja um convite ao afago) e mostram tensão, dilatam pupilas e tentam morder ou arranhar quando tocados ali. Outros, porém, podem sim curtir o carinho na região e demonstram a preferência ao ficarem tranquilos. O respeito deve vir em primeiro lugar.
2- Preciso arranhar minhas unhas
Arranhar é uma necessidade natural da espécie. Os gatos arranham para marcar o território (uma vez que as patas possuem glândulas de cheiro), para se livrar de partes mortas das unhas e também para alongar patas, pernas, ombros e costas. Portanto, para que não arranhem os móveis da casa, é importante manter arranhadores próprios, de sisal, cortiça, carpete ou papelão ao alcance deles.
3- Não preciso que me dê banhos – eu faço isso sozinho
“Gatos são extremamente higiênicos e a não ser que estejam realmente sujos (de lama, xixi etc.) ou precisem de banhos medicamentosos para controle de parasitas ou doenças dermatológicas, você não precisa dar banho neles”, frisa Nathalie. A bióloga explica que o olfato é o sentido mais importante dos gatos, que reconhecem outros gatos e a própria identidade pelo cheiro. “O banho retira o odor próprio e faz com que seu gato fique muito estressado, pois são dias se lambendo para tentar devolver o cheiro que ele conhece, que foi apagado pelo xampu, mesmo que ele seja neutro, a seco etc. E isso causa sofrimento”, acrescenta a bióloga. O banho pode ainda ocasionar ou piorar conflitos entre os gatos da casa e gerar problemas comportamentais, porque eles passam a não se reconhecer.
4- Não fique me agarrando
Gatos são animais muito fofos e a vontade de apertá-los é grande, mas cuidado, isso pode ser muito ruim para eles. “O amor exige distanciamento também. Quando ele pedir carinho, tudo bem retribuir, mas se o felino não gosta de toque, abraços e beijos, é preciso respeitá-lo. Os gatos têm por todo o corpo vários receptores ligados ao tato, à sensibilidade. Em muitas situações, o toque, ao invés de ser um carinho, causa incômodo”, conta Debora. Nathalie lembra que existem sim os gatos que gostam de colo, mas os que preferem não ser agarrados, é melhor manter o carinho somente onde eles já gostam, como no queixo ou bochecha.
5-Eu levanto cedo! LIDE COM ISSO!
Cansou de ser acordado pelo seu gato logo pela manhã ao raiar do dia? Ele tem seus motivos. “O gato tem hábitos noturnos, então da hora crepuscular até o raiar do dia está no ápice da sua atividade. Pela manhã costuma comer e depois descansar, passando a tarde recuperando as energias, para à noite voltar ao ciclo de atividades”, diz Debora. Isso significa que você nunca mais terá uma noite de paz com o seu gato? Não. Para Nathalie, dá para adaptar a rotina dele à sua: “É superpossível fazer com que seus gatos durmam e acordem com você, se eles tiverem o que fazer durante o dia. Brinque o suficiente antes de dormir: assim seu gato gastará mais energia”.
6-Larga esse celular e me dá atenção
Com certeza dá para substituir a frase também por “para de trabalhar aí e brinca comigo”. Diferente do senso comum, gatos não são animais independentes e buscam ficar junto com os seus tutores. “Eles gostam de atenção e sentem falta de interações positivas. Assim como ninguém gosta de conversar com alguém que não larga o celular e não aproveita os bons momentos, seu gato também precisa que você dedique um pouco do dia para dar toda a sua atenção a ele”, diz a bióloga. Destinar momentos do dia para brincar com o seu gato, ter um tempo positivo com ele e lhe dar total atenção vai gastar a sua energia e diminuir a sua necessidade de chamar a atenção.
7- Amo carinho, mas no meu tempo
Já ouviu a frase “a dificuldade humana de gostar de gatos está diretamente ligada à incapacidade de amar sem dominar”? Ela tem vez neste tópico. O seu gato é um animal social, mas também aprecia o tempo que passa sozinho e isso precisa ser respeitado. “Quando se respeita o espaço do gato e faz carinho quando ele pede, todas as interações serão positivas, ele terá mais confiança em você e no ambiente (sabendo que pode dormir tranquilo sem ser incomodado), e o vínculo entre tutor-gato ficará mais fortalecido. É muito comum, inclusive, que seu gato fique mais próximo e peça por mais interações, pois sabe que elas serão sempre positivas”, diz Nathalie.
8- Gosto de lugares quentinhos e aconchegantes
“Gatos gostam desses espaços porque se sentem seguros. Eles só vão dormir e descansar se estiverem se sentindo confortáveis e fora de perigo”, revela Debora. Por isso é importante investir em locais onde o seu gato sinta esse conforto para descansar relaxado, como nichos elevados, mantas em locais estratégicos e até mesmo aquelas caixas de papelão que ele adora.
9- Eu preciso ter uma rotina
Podemos perceber a rotina felina, explica Nathalie, pelos horários que eles definem como favoritos para dormir, brincar, pedir por atenção, tomar sol. Mais uma vez, há uma razão por trás disso: todas as imprevisibilidades no dia a dia podem ocasionar estresse em gatos medrosos. As mudanças são bem-vindas apenas quando trazem bem-estar aos bichanos. Débora explica que a rotina, por outro lado, é a responsável pelo sentimento de confiança e segurança: “Quando ele tem uma rotina, sabe o que vai acontecer, não se sente inseguro. Muito pelo contrário, fica seguro emocionalmente e assim bem mais feliz”.
10- A comida acabou – já consigo ver o fundo do potinho
Ainda há ração no comedouro, nas beiradas, e mesmo assim o seu gato pede mais comida. Existe uma boa explicação para isso: muitos comedouros tradicionais possuem quinas entre o fundo e a borda, onde acumulam-se os grãos de ração e, para alcançá-los, os bigodes podem incomodar. “Os gatos não gostam de encostar os bigodes no pote de comida, pois estes são muito sensíveis. Eles estão ligados aos órgãos do sentido e ajudam na percepção do ambiente”, conta Debora. Nathalie ainda levanta outro ponto: alcançar a ração lateral exige mais esforço por parte do gato, e pode ser mais fácil e cômodo para ele simplesmente miar por mais comida.
11- Não lave as minhas mantinhas
Você já lavou a manta que seu gato usa e percebeu que ele não queria se aproximar dela depois? “Isso porque a mantinha preferida é o porto seguro do seu gato, onde seu cheiro está bem pronunciado e onde ele se sente feliz e tranquilo. Quando você lava, acaba removendo toda a memória olfativa com aquele local e seu gato pode inclusive deixar de usar”, conta Nathalie. Uma opção é só lavar se muito necessário, mas Debora sugere uma alternativa: “Quando for tirar a manta suja, pegue uma limpa e faça carinho no corpo do seu gato com ela, isso vai ajudá-lo a reconhecê-la. Como não são todos que gostam de carinho, se o seu gatinho não gostar, você pode deixar a manta limpa junto da suja para que o cheiro seja trocado, aí sim lavar a suja e deixar a limpa”.
Por Samia Malas
Agradecimentos:
DEBORA PAULINO
Médica-veterinária formada pela Universidade Anhembi Morumbi, pós-graduada em Clínica Médica de Felinos pelo Instituto Equalis, comportamentalista pela ISFM em Advanced Certificate Feline Behaviour, palestrante e mente criativa na Mais Gato. Instagram @maisgato
NATHALIE AMORIM FERNANDES
Bióloga pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo e pós-graduanda em Comportamento Animal pela Universidade Tuiuti do Paraná. Instagram: @cecicatcom