Como será o gato daqui 50 anos?!

iStock © lalexmak72427

Diferentes pelagens, maior docilidade e apego ao dono?
Veja como ele poderá ser no futuro

Há 50 anos, muitos viviam soltos e comiam restos de comida. Mas o tempo passou e eles ganharam a casa. Ardilosos, estrategistas e sedutores, conquistaram os sofás, os armários, as gavetas, tudo. Também receberam convites para dormir no quarto. A comida? Patês gourmets, coisa fina de se ver! Tornaram-se reis em seus lares. Só não conseguiram a escritura do imóvel em seus nomes, ainda. Com ronrons e miados que têm o mesmo efeito do canto de sereias, nos fascinaram. Não nos imaginamos mais sem a companhia dos gatos. Impossível! No futuro, certamente teremos um ao nosso lado. Mas e eles? Como serão daqui a 50 anos?
Em 2066, continuarão sendo essas ferinhas adoráveis e semidomesticadas ou mudarão? Para responder, podemos farejar alguns indícios atuais.

Mistura de genes

Aspecto mais selvagem ou mais dócil, cores e pelagens muito diferentes: no futuro, tudo isso será possível, segundo o conceituado pesquisador norte-americano Stephen J. O`Brien, que estuda a genética felina. O que não mudará são os genes dos nossos amigos. “Não vejo muita modificação genética levando em conta vários traços que foram misturados e a seleção artificial dos traços para
raças por meio da organização de cruzamentos.”

No que diz respeito aos SRDs, as alterações não devem ser tão significativas, ao menos é o que estima Eduardo Eizirik, pesquisador e professor da PUC-RS. “Só nas raças manejadas por criadores, que sofrem seleção mais intensa, as alterações genéticas têm maior probabilidade de ocorrer.” No caso dos felinos de raça, pode haver uma exacerbação de características selecionadas, mas até o limite possível, determinado pelos genes que os gatos possuem. “Ou seja, não se pode selecionar algo que não está presente no genoma, apenas alelos (versões específicas de cada gene) já presentes, ou que surgirem por mutação nas raças domésticas, podem ser selecionados”, explica Eduardo.
Além da seleção, há também outro processo que afeta as raças domésticas: o endocruzamento (endogamia, o cruzamento entre parentes). A prática pode agilizar a seleção de características, entretanto talvez tenha consequências negativas, como o aumento de problemas de saúde
nos animais.

Avanços Tecnológicos

Japantrendshop

Se os carros voarão no futuro não sabemos, a única certeza é que a tecnologia continuará caminhando ao lado dos felinos. Já pensou em conversar com seu gato? Sim, finalmente entender e decifrar todos aqueles miados é possível.
Criado em 2007 no Japão, o Meow-Lingual promete fazer isso. Trata-se de um aparelho preso à coleira do animal que converte os sons e os envia para um console portátil para que o dono entenda os miaus em sua língua. Ou seja, provavelmente, em 50 anos, o projeto se aprimorará ainda mais.

A tendência é que nossa vida seja cada vez mais automatizada e isso influenciará diretamente no relacionamento com nossos animais. Brinquedos e comedouros automáticos e inteligentes, por exemplo, serão baratos e farão parte do cotidiano. A tecnologia nos ajudará a ter um controle maior da nossa vida. Com o auxílio de chips de monitoramento, poderemos controlar e identificar problemas de saúde do gato. Atualmente, chips que monitoram glicose e colesterol já estão sendo testados. Portanto, trata-se de uma projeção bem palpável. Lembre-se sempre, a nanotecnologia evoluirá cada vez mais, por isso é possível acreditar na praticidade, flexibilidade e compatibilidade da tecnologia do futuro.

BBC

Fascínio pelo diferente

Em 2011, nos Estados Unidos, em uma pesquisa sobre o HIV felino, um gato ganhou uma característica diferente: brilhar no escuro. Resultado da introdução de um gene de água-viva, a peculiaridade fez sucesso na internet e muitas pessoas se interessaram pela companhia de um gato brilhante. Ainda trata-se apenas de um desejo, porém não é difícil que laboratórios e criadores se unam no futuro para a criação de gatos extremamente diferentes daqueles que conhecemos hoje.

Algumas raças felinas que surgiram nos últimos anos têm se notabilizado pelo exótico. Os híbridos, como são chamados, resultam da cruza entre gatos domésticos e outras espécies selvagens. Eles começaram a fazer sucesso no universo da gatofilia em 1983, com o Bengal, mistura do gato-leopardo asiático com um gato doméstico. Desde lá, outras raças surgiram e continuam em processo de criação.
O cruzamento entre o Serval e gatos domésticos resultou no Savannah, por exemplo. Enquanto isso, o Caracal, felino selvagem, também conhecido como Lince-do-deserto, vem passando por processo de domesticação. Apesar de atualmente serem produzidos em pequena escala, é possível que, nas próximas décadas, os gatos híbridos se tornem mais populares.

Conflito ético

Previsões à parte, Carlos C. Alberts, pesquisador do Laboratório de Evolução e Etologia (LEVETHO), da Unesp, faz questão de alertar: “Existem certas características genéticas que ainda desconhecemos. Fatores que podem gerar consequências negativas para a saúde dos animais e para a segurança do ser humano.” Em gatos híbridos, há também a questão da preservação dos animais utilizados. “A busca por novas ‘matrizes’, gatos selvagens para servirem de reprodutores e formar novas raças, pode ser prejudicial a essas espécies, que já são ameaçadas por outros processos”, acrescenta Eduardo.
Será necessário que os criadores e associações felinas mantenham uma postura ética e responsável diante das raças. “Temo que, no futuro, os gatos sejam selecionados pelas suas características físicas exóticas em detrimento de suas qualidades. Isso pode ser grave, já que tais diferenças apresentam risco de gerar animais doentes e extremamente frágeis”, diz Alberts.

Os gatos antialérgicos também são uma realidade muito palpável no futuro. Em 2006, a companhia americana Allerca até anunciou que tinha descoberto a fórmula genética para criar tais felinos. À época, cientistas comunicaram que encontraram uma maneira de diminuir a concentração de uma proteína chamada Fel d1, a responsável pelas alergias dos humanos. Contudo, com o decorrer dos anos, a empresa encerrou suas atividades e não foi comprovada a eficiência de suas pesquisas e criações. A ideia, porém, pode se tornar uma realidade e popularizar-se, afinal
temos 50 anos pela frente.

Amigos para sempre! Clonar seu amigo felino também poderá ser uma realidade no futuro. Se hoje tal tecnologia e mercado são incipientes, daqui a
50 anos tal prática pode se tornar muito mais acessível. Copy Cat, o primeiro gato clonado, miou pela primeira vez em nosso planeta em 2001. O felino é resultado de uma pesquisa da Universidade do Texas, Estados Unidos. Dois anos depois, o controverso comércio de animais clonados se tornou realidade. E um bichano geneticamente igual a outro custava 50 mil dólares.
É importante ressaltar, contudo, que um animal clonado que nasce no mesmo ambiente não se comportará necessariamente da mesma maneira que o original. “Os genes seriam os mesmos, mas a regulação deles, ou seja, quais genes estão ativos, e o quanto estão ativos em diferentes momentos e cada célula sofre influência de fatores ambientais, como alimentação, estímulos sociais etc. E mesmo variações aleatórias em alguns casos, o que leva a pequenas diferenças mesmo entre indivíduos criados nas mesmas condições”, explica Eduardo Eizirik.
Assim, segundo o pesquisador, mesmo uma característica aparentemente simples, como a coloração, pode não ficar idêntica, pois há elementos aleatórios em alguns, como a distribuição de manchas brancas no corpo. “Então mesmo a cor do animal pode ser um pouco diferente, apesar de os genes serem iguais.”

Popularidade felina

Hoje em dia, muitos consideram o gato como o pet do futuro. Não é para menos. Higiênico e de manejo mais simples quando comparado aos cães, o felino adapta-se facilmente a ambientes pequenos, o que é muito importante devido à crescente verticalização das cidades.
Atualmente, estima-se que, no mundo, existam mais de 220 milhões de gatos e 223 milhões de cães domiciliados. A tendência é que a população felina continue crescendo e ultrapasse a de cães. Nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, eles já são maioria. No Brasil, a expectativa é que em cerca de 15 anos eles também ultrapassem os caninos.

Com a popularização dos bichanos, espera-se que o preconceito com os gatos, que infelizmente ainda existe, dilua-se. Do mesmo modo, a quantidade de animais nas ruas tende a diminuir. Meios que auxiliam a reprimir a procriação indevida, já conhecidos, devem se popularizar ainda mais daqui a 50 anos.

Possivelmente, as pessoas também conviverão com gatos que possuam um comportamento diferente do atual, devido à forma como serão criados. “A tendência é que cada vez mais as pessoas busquem filhotes de pais mais sociáveis para trazer para junto de si, e a maneira como mães e seus
descendentes são criados também pode influenciar gerações futuras”, analisa Alexandre Rossi, o Dr. Pet. Ou seja, eles podem ser mais caseiros, sociáveis e dependentes, principalmente os animais de raça. “No caso de raças altamente manejadas, a seleção intensa pode levar a mudanças relativamente rápidas, em poucas gerações”, diz Eduardo.

O gato, contudo, continuará sendo gato. Por isso, engana-se quem imagina que ele se assemelhará ao cão no futuro. Ainda restará aquela gotinha de sangue selvagem correndo em suas veias. “Acredito que uma evolução comportamental do gato considerada brusca, em termos evolutivos, possa acontecer apenas em milhares de anos, no mínimo”, pondera Alberts. Ele exemplifica que um gato doméstico, se deixado em uma ilha isolada, consegue se manter solitário e sobreviver. Da mesma forma, caso ele retorne para casa, se tornará doméstico novamente. “Ter essa capacidade de adaptação é uma grande vantagem.”

Saúde

A popularidade dos gatos e o crescente amor por eles impulsionará o crescimento do mercado pet voltado para os felinos. Com a evolução da Medicina Veterinária, muitas doenças poderão ser reprimidas antes mesmo de se manifestarem.

Possivelmente, existirá uma gama maior de produtos e especializações profissionais. Técnicas e equipamentos utilizados na Medicina Humana podem se estender à Medicina Veterinária. Transplantes de órgãos podem ser uma realidade. Hoje em dia, nos Estados Unidos, rins já são transplantados em gatos. No futuro, o procedimento poderá ser acessível a todos. Próteses em impressoras 3D já são confeccionadas atualmente, imagine daqui a algumas décadas. Além da evolução do uso das famosas e poderosas células-tronco.

O gato do futuro, porém, também contará com empecilhos que afetarão sua saúde. Os felinos estão vivendo cada vez mais e terão que lutar com os possíveis problemas da idade avançada. Os péssimos hábitos humanos também podem influenciar negativamente na saúde dos bichanos. Hoje em dia, a obesidade já se transformou em um grave problema para as pessoas, assim como para seus animais.
Felinos com peso elevado podem sofrer com hipertensão, problemas cardíacos, articulares, entre outros.
A Etologia (ciência que estuda o comportamento animal) focada em felinos também deve evoluir, o interesse dos pesquisadores pelos gatos poderá ajudar a melhorar a convivência com as famílias. “Ainda há muito a ser desvendado sobre o comportamento dos felinos e sua convivência com seres humanos”, finaliza Alexandre Rossi

Agradecimentos:

Alexandre Rossi Formado em Zootecnia pela Universidade de São Paulo (USP) e graduando de Medicina Veterinária pela FMU, possui especialização
em Comportamento Animal e mestrado em Psicologia, também pela USP. Fundador da Cão Cidadão, ele é autor de sete livros.
www.caocidadao.com.br

Carlos C Alberts Atualmente é professor assistente doutor e pesquisador do Laboratório de Evolução e Etologia (LEVETHO), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Eduardo Eizirik, biólogo, possui pós-doutorado em Genética Evolutiva no Laboratory of Genomic Diversity, National Cancer Institute, NIH, EUA. Desde 2004 é professor adjunto da Faculdade de Biociências da PUC-RS.

Stephen J. O’Brien
Possui pós-doutorado em genética no National Cancer Institute (NC I). Chefe do laboratório de diversidade genômica do NC I, fundado
por ele. É autor de diversos livros sobre genética, alguns sobre felinos. É diretor do Theodosius Dobzhansky Center for Genome
Bioinformatics, da Universidade Estatal de São Petersburgo, na Rússia.


Clique aqui e adquira já a edição 141 da Pulo do Gato!