Comportamento felino é terreno fértil para estudo

Comportamento felino, canino e equino: estes foram os temas que rechearam os três dias de seminários realizados pelo Prof. Daniel S. Mills, da Universidade de Lincoln, do Reino Unido, durante os dias 6, 7 e 13 de agosto. Uma realização da USP (Universidade de São Paulo), o evento aconteceu no auditório do Instituto de Psicologia da universidade e teve o apoio das empresas Royal Canin e Ceva Saúde Animal.

“A oportunidade de vir ao Brasil surgiu a partir do contato que tivemos com a Dra. Daniela Ramos, que fez um Mestrado conosco, na Lincoln University”, comenta o Prof. Daniel, que é membro do Colégio Europeu de Medicina Veterinária Comportamental (ECVBM), além de autor e co-editor de diversas publicações sobre o tema comportamento de cães, gatos e equinos, bem como o primeiro especialista a ser reconhecido pela The Royal College of Veterinary Surgeons. Em entrevista exclusiva à revista Pulo do Gato, o Prof. Daniel chama a atenção para alguns pontos sobre o estudo de felinos no Reino Unido.

RPG – Existem muitos estudos sendo realizados na área comportamental de felinos?

Prof. Daniel Mills – Não tem muitos trabalhos acontecendo sobre este tema em nenhum lugar no mundo. Nós tivemos sorte em ter três temas sobre o assunto desenvolvidos por alunos de Doutorado, mas é excepcional. São poucos que estudam o comportamento de felinos, pois é um assunto pouco explorado, considerando a dificuldade de conseguir apoio, investimentos e patrocínios para os projetos relacionados.

RPG – Por que isso acontece?

Prof. Daniel Mills – Por ser um assunto emergente e pouco conhecido, os baixos investimentos podem estar relacionados às prioridades de empresas e órgãos que patrocinam os trabalhos científicos. Acredito que o trabalho que a Dra. Daniela Ramos (pesquisadora da USP) está fazendo é muito animador porque estuda questões fundamentais relacionadas à micção inapropriada em gatos, o que nos dá uma melhor ideia do comportamento felino no âmbito deste problema em especial. É um importante trabalho. O mapeamento dos padrões de comportamento relacionados à marcação e eliminação urinária são muito importantes.

RPG – Como especialista em comportamento canino e felino, acha que as pessoas sabem as diferenças entre as duas espécies?

Prof. Daniel Mills – Muitas pessoas cometem o erro de adquirir um gato como pet esperando que tenha reações e comportamentos semelhantes aos de um cão. Acabam pegando gatos em função de seu estilo de vida, mas gatos não são cães. As pessoas precisam ter em mente que são espécies diferentes, mas ambos são seres vivos. Assim, ao lidarmos com qualquer espécie temos que respeitá-las. Quando adotamos um pet para que faça parte de nossa família e dividimos nossas vidas com este animal, não podemos ditar como o outro deve se comportar, mas sim temos que respeitar os diferentes interesses e comportamentos instintivos.

RPG – Acha que as pessoas, no geral, entendem o comportamento dos gatos?

Prof. Daniel Mills – Acho que não, pois no geral temos pouco conhecimento sobre o universo felino. Aliás, é por isso que é uma área tão interessante a ser estudada. Temos muito que aprender ainda. Ainda existem muitos mitos sobre o comportamento felino. Por isso que a ciência é tão importante, pois ela tem como missão fundamentar o comportamento felino, desmistificar tais mitos e transmitir este conhecimento para os proprietários. Assim, as pessoas saberão o que é realmente preciso para garantir o bem-estar desta espécie ao invés de se orientarem por crenças. 

RPG – Quais os erros mais comuns no manejo de gatos?

Prof. Daniel Mills – Um erro bem comum cometido pelas pessoas é o de não acreditarem na importância dos odores para os gatos domésticos. Gatos se comunicam muito através de marcas visuais e olfativas, daí a importância em deixá-los conhecer bem o ambiente, explorar, depositar suas marcas etc., pois é através do ambiente que eles se comunicam com o mundo. O principal é reconhecer que gatos são gatos. Se você deixar seu gato solto ele vai caçar, se não quiser que ele cace, então não tenha um gato! As pessoas devem ter expectativas reais quando adquirem um gato como pet.

RPG – Você é o principal pesquisador do Feliway, análogo sintético do feromônio facial felino, lançado em 2009 aqui no Brasil. Poderia nos contar um pouco mais sobre esta experiência?


Prof. Daniel Mills – Trabalhamos neste produto há 15 anos e sempre buscamos diferentes formas de uso para que seja cada vez mais eficaz em sua missão de reduzir o estresse dos gatos. No Reino Unido este produto já é usado há mais de 10 anos e tem dado bons resultados. Estudamos muito para entender os motivos que levam os gatos a fazerem a marcação urinária. Tradicionalmente, pessoas acreditam que este comportamento é um sinal de que o gato está estressado. No entanto, cada vez mais, pesquisas começam a sugerir que este comportamento faz parte do mecanismo de lidar com situações estressantes, ou seja, através deste comportamento o animal se adapta ao ambiente que lhe causa estresse. E é um comportamento normal. Acredito que nos próximos anos teremos trabalhos bem interessantes sobre este assunto.

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