Gato guiava sua dona deficiente visual pelas ruas e, na época, conquistou até mesmo uma medalha de honra por seus serviços
Enfrentar as dificuldades de perder a visão definitivamente não é tarefa fácil. Quando se está sozinho então, os obstáculos podem se tornar ainda maiores. Para encarar esse desafio imposto pela vida, a americana Carolyn Swanson recorreu a uma ajuda, no mínimo, diferente: seu gato, Baby.
Fotos: Loran Smith, © Time Inc.
Em 1947, na cidade de Los Angeles, por onde andava a senhora atraía a atenção de todos com seu felino preso à guia. Até hoje não se sabe exatamente o que motivou Carolyn a ter Baby como gato-guia, mas ficou comprovado que ele era muito eficiente em sua função. O bichano guiava sua dona pelas ruas e, na época, conquistou até mesmo uma medalha de honra por seus serviços. O caso atraiu tanto atenção que até a famosa revista Life enviou um fotógrafo para verificar o caso.
Em 2003, no Arizona, o consultor de seguros Robert Sollars ficou cego devido a uma lesão causada pela diabetes. Ao lado de sua esposa, seu gato, Admiral K’reme, se tornou o principal ajudante dele para as tarefas diárias, guiando-o pela casa e antecipando seus movimentos. Até mesmo durante as idas ao banheiro, o felino o ajudava. Quando Robert se levantava no meio da noite, o animal o seguia pela casa, miando até seu tutor voltar para a cama.
Para o consultor de seguros, foi reconfortante contar com a companhia e ajuda do gato. Mesmo 10 anos depois, com o dono já adaptado à vida sem visão, o bichano continuou a ampará-lo. Ainda hoje, ele se preocupa quando Robert sai de casa para colocar o lixo ou buscar uma correspondência, por exemplo: fica miando até o tutor voltar para dentro de casa.
Cachorro cego e gato guia: amparo entre espécies
Pudditat assumiu o cargo de gato-guia do cachorro cego, auxiliando-o durante a rotina. O cachorro passou a se sentir mais seguro e movimenta-se com mais facilidade, seguindo os passos da felina, que o orienta de perto e o direciona. Ela usa as patas para guiar o cão e, hoje, chegam a dormir juntos.
As histórias, além de surpreendentes, nos instigam: assim como cães, os gatos também podem auxiliar deficientes visuais e se tornarem seus guias?
Cego, o Labrador Tervel tem 14 anos e conta com a ajuda da gatinha Pudditat, que se tornou sua guia
Foto: Wales News Service
Falta de praticidade
Apesar da sensibilidade e do exímio trabalho dos gatos citados nesta matéria, os felinos não são os mais indicados para essa função. O médico veterinário e psicanalista Marcos Fernandes, de São Paulo-SP, explica que o comportamento dos gatos se diferencia muito das dos cães, interferindo assim no desempenho da função. “O gato é um animal com comportamento mais selvagem e menos servil quando comparado ao cão.”
Casos isolados de felinos que atuam como guias de deficientes visuais apenas reforçam que os traços comportamentais inerentes de cada espécie são fundamentais para o exercício da função. “Talvez um gato muito bem treinado até possa conseguir, no entanto a questão nem é essa”, ressalta Marcos. O foco, segundo o especialista, está no fato de que cães têm mais facilidade para realizar esse tipo de trabalho. Entre as razões é possível citar até mesmo o próprio tamanho do animal: geralmente os cães-guia são de raças grandes, como Golden Retriever e Labrador Retriever. O tamanho do animal ajuda o deficiente visual a caminhar no metrô, nas ruas e nos ônibus ladeado de pessoas. “Imagine como seria difícil para um felino enfrentar situações como essas?”, aponta.
Cães têm sido treinados para essa função há muito tempo. Escavações na Pompeia, Itália, revelaram um desenho produzido em 79 d.C. que aparentava tratar-se de um cego ao lado de um cão. Apesar disso, foi apenas em 1916 que a primeira escola de cães-guia foi inaugurada, na Alemanha. “Cães-guia existem há muitos séculos. É como se estivessem sendo selecionados geneticamente há várias gerações e, ainda assim, quando escolhidos, recebem treinamento especializado”, destaca o veterinário.
Adestrar um gato para a função, portanto, é possível, mas não necessariamente viável. O que não se pode duvidar, com certeza, é do companheirismo deles com sua família, Baby, Admiral K’reme e Pudditat que o digam.
Agradecimentos:
Marcos Fernandes – Veterinário graduado pela Unesp, especialista em Homeopatia Veterinária pela A.M.V.H.B. (Associação Médico Veterinária Homeopática Brasileira) é mestre pela USP e psicanalista formado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa (SBPI). Autor do livro Cara de um, focinho do outro. www.psicaveth.com.br