Instinto predatório do gato é um comportamento natural ancestral, mas nem todo tutor aceita bem essa conduta
Alguns dos comportamentos dos nossos gatinhos domésticos são heranças diretas de seus ancestrais selvagens. Esconder as fezes, arranhar objetos para marcar território ou simplesmente manter seus comportamentos de animal caçador são alguns deles. Afinal, na natureza, seu ancestral precisava caçar para sobreviver. Mas engana-se o tutor gateiro que acredita que uma vez que o felino recebe todos os dias o seu alimento no comedouro, esse instinto predatório se torna irrelevante para o seu desenvolvimento. Pelo contrário. Não só ele é importante, como também o incentivo a ele é fundamental no dia a dia do pet, para que ele seja feliz. “Nós temos que entender que ter um gato dentro de casa é ter um pequeno felino que é um caçador natural”, aponta a médica-veterinária Debora Paulino, pós-graduada pela ISFM em Advanced Feline Behavior, complementando que cabe ao tutor direcionar o animal para práticas que sejam saudáveis para todos dentro do ambiente.
TIPOS DE TUTOR E INSTINTO NATURAL DE CAÇA
Um estudo elaborado por pesquisadores da Universidade de Exeter, na Inglaterra, denominado Cats, Cat Owners and Wildlife (“Gatos, donos de gatos e vida selvagem”), determinou alguns tipos de perfis de tutores e sua relação com o comportamento de caça felino. Segundo a pesquisa, existem cinco categorias: protetores preocupados, que estão concentrados na segurança do gato; defensores da liberdade, que priorizam a independência dos gatos e se opõem às restrições de seu comportamento; guardiões tolerantes, aqueles que acham importante o acesso dos gatos ao mundo exterior, mas não gostam dos hábitos de caça dos felinos; cuidadores conscienciosos, que se sentem responsáveis por controlar os hábitos de caça; e os adeptos da liberdade total (os laissez-faire), que desconhecem, em grande parte, os problemas relacionados aos gatos que vagam pelas ruas para caçar. Sobre o último tipo perfil de tutor, a antrozoóloga (pessoa que estuda as interações entre humanos e outros animais) Sarah Crowley, do Centro Exeter de Geografia e Ciências Ambientais (CGES) e uma das responsáveis pela pesquisa, alerta: gatos com acesso à rua não colocam só pássaros e roedores em perigo, seus possíveis alvos de caça, mas também a si mesmos e outros animais e humanos com quem convive. “Felinos que perambulam do lado de fora correm maior risco de atropelamento e de contrair doenças”, alerta a pesquisadora.
RECONHECENDO OS INSTINTOS PREDATÓRIOS
Sem a possibilidade de caçar ratos, pássaros, entre outras presas que lhes são naturais, o gato doméstico pode demonstrar o comportamento caçador direcionado a outros alvos, sejam eles um grão de ração, a perna do tutor, ou até outro pet da casa. “Ele pode começar a preparar botes atacando o pé de quem passa na frente dele, buscando outras formas de exibir essa conduta e continuar sendo um caçador dentro de casa”, diz Debora. Para a veterinária, o tutor tem a responsabilidade de assumir esse papel de guia para o gatinho, controlando este seu aspecto. Caso contrário, se ele não incentivar ou ainda inibir este tipo de comportamento, problemas podem aparecer.
FALTA DO COMPORTAMENTO DE CAÇA
Debora explica quais são os problemas que o felino pode ter quando seu comportamento natural é, de alguma forma, reprimido: “Um gato que é inibido ou privado de seus instintos de caça, pode ter frustrações e problemas emocionais por não estar agindo de acordo com o que é esperado de um felino, que é essencialmente caçador”. Assim, não é porque um gato não tem acesso à rua – às vezes sempre viveu em ambiente doméstico -, que ele não vai ou não deve apresentar um comportamento caçador, pois isso está no DNA da espécie felina. “É um mito acreditar no contrário. Isso é inerente à espécie”, enfatiza Debora. Victoria Pereira, médica-veterinária proprietária da clínica The Cat Doctor, especializada em felinos, em São Paulo, ainda elenca outros problemas advindos da falta de caça. “O gatinho pode ficar entediado e começar a comer demais, podendo ficar obeso. Outro problema é que se ele não caça, não estimula a sua cognição, no futuro, ele pode desenvolver uma doença chamada Disfunção Cognitiva, o ‘Alzheimer de gatos’. Por fim, sem caçar ele não faz exercícios e ainda pode começar a incomodar a família em horários inconvenientes, por exemplo, de madrugada”, compartilha Victoria.
ENRIQUECIMENTO AMBIENTAL É A CHAVE
Estimular o comportamento de caça do felino não significa deixar que ele saia do ambiente doméstico para buscar presas, mas ferramentas de enriquecimento ambiental podem cumprir este papel. E quando falamos de enriquecer o ambiente, isso significa torná-lo um local que atenda as necessidades naturais do gato. “Promover o instinto de caça envolve incentivar os exercícios físicos e o desenvolvimento do cognitivo, e isso pode ser feito dentro de casa”, descreve Debora. Alguns brinquedos são especialmente fabricados para assumirem o papel de presas naturais, como ratinhos de borracha, varetas que emulam o voo de pássaros ou insetos, ou até o movimento rasteiro de outro animal. Utilizá-los é uma maneira eficiente de dar vazão ao estímulo da caça. Petiscos também podem ser usados tanto na ação da caça quanto no momento de recompensa, quando o pet atinge o objetivo de “capturar” o seu alvo. Os estímulos devem ser sempre positivos. Uma sugestão de Debora é usar o petisco a favor do tutor. Em vez de fornecê-lo facilmente para o felino, é possível compor desafios para o pet obtê-lo espalhando-o pela casa e estabelecendo uma busca. Victoria também indica a utilização de comedouros quebra-cabeça, inclusive para a ração de todo dia, pois eles exigem do pet um esforço físico e cognitivo maior, seguido da recompensa do alimento. As veterinárias lembram que independentemente da atividade oferecida pelo tutor, é preciso fornecer ao gato alguns momentos de sucesso, pois se ele não os tiver, ficará frustrado e desenvolverá outros problemas de comportamento.
Nossos Agradecimentos:
Debora Paulino, Formada em Medicina Veterinária pela Universidade Anhembi. Pós-graduada em clínica e cirurgia de felinos pela Equalis. Pós-graduada pela ISFM em Advanced Feline Behaviour. Docente no curso de pós-graduação em Clínica de Felinos das Famesp e da Anclivepa. Criadora da Mais Gato. Instagram.com/vetdebeepaulino e [email protected]
Victoria Pereira, Médica-veterinária pela universidade UNIABC, pós-graduada em Clínica Médica de Felinos pelo Instituto Qualittas Veterinária, Mestre em Ciências Veterinárias pela Universidade de São Paulo, membro da American Association of Feline Practitioners; idealizadora e proprietária da Clínica The Cat Doctor.
Por Aline Guevara