Problemas que afetam os rins de seu gato são mais comuns do que você imagina, saiba como identificá-los e proteja seu amigo desse mal.
Como muitos gatos, Charlote nunca foi fã de beber água. A felina, hoje com 10 anos, também demonstrou ser pouco simpatizante da liteira ao decorrer da vida e, há anos, tem dificuldades de urinar. O caso ficou ainda mais sério em 2013, quando ela começou a emagrecer e a vomitar com frequência. Sua tutora, a advogada Luciana Bárbara, de São Paulo-SP, não pensou duas vezes e a levou rapidamente ao veterinário. “Tinha problemas para urinar e já se alimentava com uma ração específica para a doença do trato urinário inferior, que ela já tinha. Porém, após exames de sangue e ultrassom, recebemos uma péssima notícia: ela tinha a doença renal crônica (DRC)”, conta Luciana, que tem mais dois gatos com problemas renais, Boris, de 9 anos , e Catarina, de 7.
Perigosa e recorrente
Infelizmente a doença, também conhecida como insuficiência renal crônica, é mais comum do que muitos gateiros e gateiras imaginam. Segundo estudo publicado pelo Journal of Feline Medicine and Surgery deste ano, esse problema é a principal causa de mortalidade entre os gatos que têm 5 anos ou mais.
Perigosa, a doença atinge os rins, órgãos imprescindíveis para a saúde. Eles são como os filtros dos corpos humanos, felinos e de outros tantos animais. Responsáveis por eliminar as substâncias tóxicas por meio da urina, também são essenciais em outros processos do organismo, como na regulação de minerais do corpo, pressão arterial e produção de hormônios.
Causas
De evolução relativamente lenta, a DRC pode ser causada por diferentes fatores. O principal deles está relacionado à idade avançada do animal, já que ocorre um declínio normal do funcionamento dos rins com o decorrer do tempo. “Depois dos 10 anos de idade até 30% dos gatos podem ter DRC”, salienta Luciano Henrique Giovaninni, médico veterinário com atendimento direcionado para nefrologia há mais de 10 anos. A doença, porém, pode atingir animais de diferentes idades.
Entre outros problemas que afetam diretamente as estruturas de seus rins estão as nefrites (inflamação do órgão), nefrolitíases, hipertensão arterial, infecções e obstrução urinária e doenças hereditárias.
O hábito de ingerir pouca água inerente à espécie felina também influencia no agravamento da doença. O comportamento faz parte de sua história, já que trata-se de um animal com ancestrais que viviam em desertos, onde o líquido era escasso.
A espécie evoluiu e se adaptou para excretar menos água na urina do que os cães e os humanos, por exemplo. “A densidade urinária de um ser humano saudável fica em torno de 1,025, já de um cão cerca de 1,035 e 1,040, enquanto que a de um gato pode facilmente passar de 1,050”, diferencia Luciano.
Ele ressalta, contudo, que isso não pode ser confundido com o comportamento de retenção de urina, que não é natural do felino. A conduta, muitas vezes, deve-se a fatores ambientais, como a falta de higienização da liteira, presença de novos pets no território, entre outros. “Não se pode confundir um aspecto fisiológico com um comportamental”, salienta.
Atente-se aos sintomas
Infelizmente, quando a DRC foi identificada em Charlote, seus rins já estavam comprometidos. “É complicado perceber que gatos estão doentes porque eles são muito independentes. Só foi possível a descoberta quando ela começou a emagrecer. O que a gente notava também é que ela fazia um esforço para urinar”, conta a tutora.
Os principais indícios do problema se manifestam quando a doença já está em estágio avançado, por isso é necessário redobrar a atenção para identificá-la ainda no início. Entre os principais sintomas estão a perda de peso, ingestão de água em excesso e maior volume de urina, que tende a ganhar uma coloração mais clara. “Por possuir mais água, ela perde o tom alaranjado e ganha uma tonalidade amarelo palha. Também é comum notar que é preciso trocar com mais frequência o extrato da liteira, devido ao volume de urina”, explica o veterinário.
Os sintomas mais graves, como náusea, vômitos, diarreia, diminuição do apetite, cansaço e grave perda de peso são identificados apenas quando a doença entra em estágio avançado, isto é, quando o felino já está retendo muitas toxinas no corpo. “Um gato com o problema costuma apresentar sintomas quando pelo menos 75% dos seus rins já estão comprometidos, algo como se 2/3 dos rins não estivessem funcionando”, sinaliza Luciano (veja mais no quadro Evolução da doença)
Farejando o problema
Para diagnosticar a doença, o médico veterinário precisa fazer exames de sangue e urina no animal doente. O profissional avaliará os níveis de ureia e creatinina, que apontam a qualidade da função renal. Caso os rins não estejam filtrando o sangue corretamente, os níveis aumentam significativamente. A ultrassonografia também ajuda a identificar e avaliar o grau do problema, já que é possível analisar alterações no tamanho e na estrutura dos órgãos.
Apesar de a DRC não ter cura, o diagnóstico precoce pode retardar sua evolução. Por isso, no caso de animais adultos, recomenda-se fazer tais exames ao menos uma vez a cada 3 anos, mesmo que o bichano não apresente nenhum sintoma. “Quando o gato alcançar sua idade senil, a partir dos 8 anos, é interessante fazer a avaliação anualmente”, orienta Luciano.
Tratamento
A DRC não pode ser curada, mas o tratamento adequado é fundamental para desacelerar a deterioração dos rins e proporcionar qualidade de vida ao pet. O médico veterinário prescreverá o tratamento de acordo com a situação de cada felino.
O uso de medicamentos e o controle alimentar são muito importantes, assim como a boa hidratação do bichano. Estimulá-lo a beber água é imprescindível. “O doente renal crônico produz muita urina e se desidrata facilmente, por isso nunca pode ficar sem acesso à água”, salienta Luciano. Aumentar a quantidade de recipientes, dispô-los próximo aos locais onde ele frequenta, sempre manter a água limpa e, se possível, em movimento com a ajuda de fontes, são medidas que podem ajudar.
Segundo o veterinário, a fluidoterapia é indicada apenas se o pet não ingerir água normalmente. “Não há evidências científicas que apontem que todo doente renal crônico viverá melhor ou mais tempo por causa desse tratamento. O conceito que diz que o soro força o rim a trabalhar melhor e diminui as toxinas no sangue é, na maioria das vezes, equivocado”, analisa.
O soro pode ser aplicado pelo tutor em casa, desde que seja devidamente orientado e autorizado pelo veterinário. O intervalo de tempo de cada sessão é avaliado individualmente. Ele explica que, se o bichano estiver hidratado, a aplicação é desnecessária ou pode ser feita em um volume muito menor. “Além disso, caso o soro seja aplicado de forma indiscriminada, em frequência maior que a necessária, sem avaliação detalhada, pode até mesmo afetar negativamente o animal, já que o fluido possui componentes que, em excesso, podem ser prejudiciais”, diz.
Charlote, por exemplo, se alimenta com uma ração renal, faz sessões de fluidoterapia subcutânea uma vez por semana na clínica veterinária e toma medicamentos específicos. “Foram mais de 2 anos tomando soro todos os dias. Ela precisava muito dele, quando não tomava ficava prostrada”, lembra Luciana. “Hoje em dia, quando notamos que ela está fraquejando, nós a levamos para tomar mais vezes durante a semana.”
Além disso, como Charlote não gosta de beber água, a tutora precisa estimulá-la, por isso injeta-a em sua boca com a ajuda de uma seringa, várias vezes ao dia. “Às vezes, acontece de ela subir na pia do banheiro e pedir água. Quando isso ocorre nós ficamos felizes demais”, comemora a dona.
DOENÇA RENAL AGUDA (DRA): RÁPIDA E INTENSA
Diferente da doença renal crônica (DRC), a DRA afeta os rins de maneira mais intensa e abrupta. “Também existe a possibilidade de um paciente renal agudo se tornar crônico. Por definição, o doente renal agudo que saiu da internação passa a ser caracterizado como doente renal crônico”, explica o veterinário Luciano Henrique Giovaninni. Infelizmente, após os rins serem afetados, o animal perde néfrons, elementos importantes para o funcionamento do órgão, e não há como mensurar a quantidade perdida.
Entre as causas da doença estão a desidratação severa, a perda repentina de sangue por meio de hemorragias ou do plasma, provocados por queimaduras. Esses fatores podem influenciar na formação da urina, afetando assim os rins. A ingestão de substâncias tóxicas, como lírios, que destroem partes de tais órgãos, também são perigosas e podem ocasionar o problema. Além disso, a obstrução das vias urinárias pode resultar na DRA, já que a urina formada é impedida de sair, sobrecarregando os órgãos. “A DRA pode ser revertida e, se bem tratada, o gato voltará a viver normalmente, porém, ainda assim ele se tornará um doente renal crônico.”
Dieta adequada
Uma dieta com mais proteína ou com quantidade de fósforo ajustada para gatos saudáveis, por exemplo, pode ser prejudicial ao animal com doença renal crônica e agravar ainda mais a situação. Por isso a adequação nutricional do pet doente é muito importante. Luciano ressalta que o ajuste nutricional tende a aumentar a sobrevida do felino em até três vezes. Ele recomenda oferecer ao mesmo tempo dois tipos de alimentos, o úmido, que possui mais água, e o seco, ambos específicos para pacientes renais.
É importante que as rações sejam prescritas por um veterinário, assim evita-se enganos que podem ser extremamente prejudiciais. A principal confusão que se faz com os alimentos terapêuticos são entre os renais e os urinários, sendo que cada um possui componentes diferentes. “Eu já flagrei vários tutores oferecendo dietas equivocadas para seus pets. Acreditam que estão proporcionando benefícios, mas, na verdade, estão prejudicando-os, inclusive contribuindo para a progressão da doença”, alerta.
O veterinário orienta fazer a transição da dieta de maneira lenta e gradual, já que o objetivo é que o pet se adapte à nova alimentação. “Caso o gato esteja com sintomas que afetem seu apetite, como vomito e diarreia, é importante tratá-los e atenuá-los para então inserir a nova dieta renal”, recomenda. Ele acrescenta que impor a troca da alimentação é a pior forma de tratamento, já que a transição de uma dieta para outra pode ocorrer ao longo de um mês. Se o bichano não se adaptar, também é possível administrar uma dieta caseira balanceada, desde que seja recomendada por um veterinário nutrólogo.
Animais com DRC também podem desenvolver outros problemas, como pressão arterial elevada ou anemia, que requerem medicações específicas. O uso de hemodiálise em gatos ainda é raro, já que, para o processo, é necessário ter um peso mínimo de 5 kg.
Proteja seu amigo
Algumas medidas podem ajudar a prevenir que a DCR ataque seu amigo, principalmente entre os animais mais jovens. É importante jamais privar o felino do acesso à água com o intuito de reduzir a produção de urina. Já para motivá-lo a comer mais o alimento úmido, aqueça-o e ofereça-o morno. Dessa maneira, os odores se volatizam, tornando-o ainda mais atraente.
Ofereça uma dieta balanceada, evite dar guloseimas em excesso e atente-se sempre às alterações de comportamento. Luciano também aconselha a evitar o uso desnecessário de medicamentos que podem ser prejudiciais aos rins, como anti-inflamatórios.
“Um felino com problema renal sofre muito. É uma luta diária, mas vale muito a pena, sinto um amor absurdo pelos meus gatos. Hoje o problema da Charlote está estabilizado”, emociona-se Luciana. “A veterinária dela até brinca dizendo que ela vai enterrar todos os outros gatos.”
EVOLUÇÃO DA DOENÇA
A doença renal crônica é de difícil identificação e se agrava com o decorrer do tempo. Conheça seus principais graus:
Estágio 1
Perda da função renal: Geralmente a perda não ultrapassa os 66% .
Alterações: Basicamente alteração morfológica, que pode ser identificada por ultrassonografia.
Valor de creatinina: Menor que 1,6 mg/dl.
Estágio 2
Perda da função renal: Até de 75%.
Alterações: Perda de peso, diminuição do apetite, aumento da produção de urina e, consequentemente, mais sede.
Valor de creatinina: Entre 1,6 mg/dl e 2,8 mg/dl.
Estágio 3
Perda da função renal: Pode alcançar até 85%.
Alterações: Agravamento dos sintomas anteriores, além do aparecimento de vômitos, diarreia e constipação.
Valor de creatinina: 2,8 mg/dl e 5 mg/dl.
Estágio 4
Perda da função renal: Geralmente maior que 85%.
Alterações: Estágio mais severo. Além dos sintomas anteriores, o animal pode apresentar alterações gastrintestinais, neuromusculares ou cardiovasculares.
Valor de creatinina: Acima de 5 mg/dl.
Agradecemos ao Luciano Henrique Giovaninni Coordenador do curso de especialização em Nefrologia e Urologia em cães e gatos da Anclivepa-SP. É sócio-fundador e membro da diretoria do Colégio Brasileiro de Nefrologia e Urologia Veterinária.
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