Comportamento felino e hábitos de gatos de vida livre

Não poderíamos ter uma edição especialmente voltada para os SRDs (Sem Raça Definida) sem falarmos de como são os comportamentos felinos dos gatos de vida livre. Aliás, por mais que seja recomendado mantermos nossos felinos indoor, o costume de deixar os gatinhos darem aquela passeada noturna ou tomarem aquele solzinho em cima do muro do vizinho é um costume cultural não só no Brasil, como também em muitos outros países.

Você já se perguntou o que ele faz quando dá suas voltas? A maioria dos amantes de gatos não tem ideia do que fazem os felinos quando estão na rua, até mesmo sobre como os gatinhos que vivem no abandono levam a vida.  Por exemplo, você sabia que eles podem percorrer até dois quilômetros em uma noite? Além de caçar, passear, namorar, marcar o território, estes gatinhos rueiros ainda participam de verdadeiras “festas”. Em geral, os encontros entre felinos são bem barulhentos e acontecem à noite, quando os gatos se tornam ativos e o ambiente está mais tranquilo.

Gatos que vivem nas ruas costumam frequentar vários lares. Muitos são alimentados e adotados por diversas pessoas e podem tomar o café da manhã em uma casa, tirar uma soneca em outra e jantar numa terceira. A seguir, abordarei alguns dos aspectos mais importantes da comunidade felina para que entendam um pouco mais sobre o universo dos gatos que adoram uma boa voltinha, ou passam suas noites a perambular pelas ruas. 

O território do gato de rua

Os bichanos têm obsessão em controlar seu território. Precisam explorá-lo e memorizá-lo para se sentirem seguros. Esse é um dos motivos pelo qual eles preferem locais altos, como telhados ou janelas que se tornam verdadeiros postos de observação, que além de permitir uma ampla visão do território, lhes conferem segurança. O território do gato não deve ser comparado a uma propriedade cercada com uma habitação onde se reside.

Um paralelo mais correto seria compará-lo a uma pequena cidade com casas, campos de esportes, banheiros públicos, estradas e ruas. As casas são locais onde um único indivíduo ou “família” tem áreas de descanso e alimentação, e os outros membros do grupo não são aceitos nela. Em algumas áreas, o acesso é permitido em horários diferentes, e em outras os membros de um grupo podem se reunir.

Os conflitos hierárquicos entre machos estão muito relacionados ao território. Um gato invade e expulsa o outro para uma área cada vez mais restrita. Porém, isso não necessariamente resolve o conflito. O gato que tomou o território pode ficar obcecado em perseguir e atacar cada vez mais o que perdeu a briga, deixando-o estressado com o ataque, se este não tiver para onde fugir. 

Se o seu gato costuma dar suas voltinha por aí, um gato mais poderoso no bairro pode restringir o acesso dele, inclusive impedindo que ele volte para casa. Se isso acontecer, seu gatinho poderá ficar frequentando outros lares até o mandachuva morrer, perder o poder ou mudar de área.

O território dos machos tem uma área equivalente ao das fêmeas fora da estação de monta. Porém, durante o acasalamento, pode se tornar até dez vezes maior que o das fêmeas.

Comportamento felino e organização social

Os gatos têm uma complexa estrutura social matriarcal, em que o núcleo de uma colônia é constituída por fêmeas aparentadas: mães, filhas, tias, primas, que permanecem na colônia, mesmo quando adultas. Às vezes, elas são tão intimamente ligadas que podem se ajudar durante o parto e os filhotes de gato podem ser cuidados de forma conjunta pelas fêmeas do grupo. Elas também costumam unir forças para expulsar invasores e ameaças, como machos procurando matar gatinhos, o que faz com que elas entrem novamente no cio.

As fêmeas são mais propensas a permanecer no grupo familiar, enquanto os machos deixam o grupo durante a puberdade. Em contrapartida, elas têm mais dificuldades do que eles para integrar novos grupos ou a aceitar os recém-chegados. Os novatos devem lutar para serem aceitos e conseguirem um lugar na comunidade. Para isso, se arriscam, muitas vezes, a apanhar de mais de um gato ao mesmo tempo. Com o passar tempo, e muita insistência, o novato pode ser aceito.

Gatos idosos ou doentes podem ser atacados e expulsos. Por isso, quando um gato está doente, procura se esconder para não deixar transparecer sua fraqueza.

Comportamento felino no encontros 

As festinhas noturnas são barulhentas! Essa algazarra fica por conta da vocalização dos gatos, muitas vezes até assustadora para nós. As vocalizações são a comunicação mais clara para avisar aos outros bichanos da área que devem manter certa distância, ou mesmo confirmando o controle de uma área e a posição social de um gato. Nem sempre a vocalização de um gato significa que ele está prestes a atacar. Ninguém sabe ao certo o que acontece nesses encontros. Como os felinos são animais noturnos, que enxergam muito bem com pouca luz e preferem sair nesses horários, há uma maior densidade de gatos pelas ruas durante a noite. Acredita-se que eles cacem, explorem o território, restabeleçam a divisão das áreas e namorem quando houver gata no cio.

Gatos caça​dores

Sob condições naturais, o gato dedica a caça de 6 a 10 horas por dia. São entre 100 e 150 emboscadas  sobre pequenas presas, das quais apenas 10% são bem sucedidas. Mesmo o animal que recebe alimento do dono conserva o hábito de caçar. O gato, portanto, é um especialista em atividade de alta intensidade, mas de curta duração. Se o seu gato vive confinado em casa, você propicia a ele atividades semelhantes?

A importância do olfato apurado dos gatos

Na ausência de linguagem verbal ou escrita, o gato assina suas mensagens principalmente com marcas odoríferas e visuais. Eles possuem um órgão sensorial no céu da boca chamado vomeronasal, que capta os feromônios (odores que influenciam o comportamento dos outros animais). Existem feromônios sexuais, maternos, para marcação do território, de medo e de amizade.

Gatos se esfregam contra os seus companheiros para misturar seus aromas e reforçar a sua ligação. A posição social de um gato pode ser medida pela frequência com que os outros gatos se esfregam nele. Os indivíduos com maior hierarquia são mais esfregados pelos outros. 

Pegue um gato desconhecido e introduza-o num grupo, ele é inicialmente rejeitado. Esfregue o queixo de alguns indivíduos desse grupo num pano e passe-o no gato. Volte a reintroduzí-lo. Agora ele foi aceito! Nem sempre é tão fácil, mas é uma boa dica ao introduzir um novato numa casa com outros gatos. 

Por outro lado, um bichano que volta cheirosinho do banho ou que ficou alguns dias no veterinário, pode não ser mais aceito pelo grupo por não ter mais esses cheiros. 

Um gato castrado perde gradualmente posições nessa “família mafiosa” após a castração. Isso acontece pois o odor de sua urina se altera com a diminuição de testosterona no sangue.

Comportamento reprodutivo do gato 

Ao contrário de outras hierarquias com a dominação masculina na espécie, como macacos e veados, os gatos machos dominantes não são os que mais se acasalam. Na verdade, eles nem são reconhecidos quanto à prioridade no namoro. Curiosamente, as fêmeas, muitas vezes, escolhem machos com posições hierárquicas mais baixas. Os machos “dominantes”, no entanto, controlam a maior parte do território. Parece, portanto, que o território, e não o sexo, determina o status social. Além disso, as fêmeas costumam ir até outros grupos para se acasalar, onde sempre são bem aceitas após retornarem ao seu grupo de origem. Da mesma forma, uma fêmea raramente cruza com o gato da casa, se tiverem acesso a outro pretendente.

O que é melhor: deixar o gato livre ou prendê-lo?

De um lado, parece que estamos indo contra a natureza do felino ao mantê-lo preso, pois impedimos que ele manifeste uma boa parte dos seus comportamentos felinos naturais. Isso afeta principalmente os animais mais ativos. Por outro lado, há sempre o perigo de ferimentos em disputas, atropelamentos, acidentes com cães e de que ele contraia alguma doença. Muitas pessoas optam por um regime semi-fechado, telando seus quintais em verdadeiras gaiolas, onde o gato tem acesso ao quintal, mas não à rua.


Caso a sua opção for por manter o bichano sempre dentro de casa, procure se informar em como melhorar seu bem-estar, enriquecendo seu ambiente. Porém, se seu gatinho faz parte dos passeadores, embora não se possa eliminar todos os riscos, é possível tomar alguns cuidados como vermífugar e fazer check-ups regularmente. Converse com seu veterinário e estabeleça qual a frequência ideal com que deve levá-lo às consultas.